Universidade Federal de Santa Catarina
Departamento de Física
Laboratório de Física Moderna


Espectros do Hidrogênio e do Hélio
Roteiro adaptado para a disciplina FSC5509 - Fundamentos de Estrutura da Matéria para Engenharia dos Materiais
(c) 2000 Departamento de Física da UFSC (Ábio Valeriano Pinto, Ivo Vencato, Valderes Drago e Nelson Canzian da Silva)


Objetivos

  1. Medir os comprimentos de onda das raias espectrais do hidrogênio e do hélio.
  2. Calcular a constante de Rydberg para o átomo de hidrogênio.
  3. Identificar alguns níveis de energia para o átomo de hélio.


Fundamentos da Teoria

Por ser o mais simples de todos os átomos, constituído de um próton e de um elétron, o hidrogênio apresenta um espectro de linhas relativamente simples. Na figura abaixo temos a parte visível do espectro do hidrogênio, conhecida como série de Balmer.

Figura 1. Espectro do hidrogênio

A primeira linha, na região do vermelho, com l = 6562,8 Å, é conhecida como Ha; a segunda, na região do azul-verde, com l = 4861,3 Å, como Hb; a terceira, na região do violeta, com l = 4340,5 Å, como Hg, e assim por diante. Em 1885 Balmer verificou que os comprimentos de onda destas linhas podiam ser calculados pela fórmula:

(1)

onde R = 1,09678 x 107 m-1 é denominada constante de Rydberg, e n' tem o valor 3 para Ha , 4 para Hb etc. À medida que n' cresce, as linhas sucessivas da série ficam mais próximas e convergem para um limite H¥, com l = 3646 Å, na região do ultra-violeta.

Em 1913, Bohr apresentou uma interpretação para o espectro do hidrogênio, baseado no modelo atômico de Rutherford. De acordo com Bohr, as energias possíveis para o átomo de hidrogênio são quantizadas e devem satisfazer a relação geral:

(2)

sendo n = 1, 2, 3, ..., os números quânticos correspondentes a estados estacionários, h = 6,63 × 10- 34 J.s a constante de Planck, c = 2,997 × 108 m/s a velocidade da luz, Z o número atômico e RM a constante de Rydberg para um núcleo de massa M, calculada pela expressão:

(3)

onde

 

e m é a massa do elétron e M a massa do núcleo, ambos se movimentando em torno do centro de massa do sistema (com massa reduzida m). Por aproximação, se a massa do elétron for considerada muito pequena em comparação à massa do núcleo, então R = R¥. Para átomos hidrogenóides, isto é, átomos de apenas um elétron, como He+ (hélio uma vez ionizado), Li2+ (lítio duas vezes ionizado) etc., o valor de R varia um pouco, como se pode observar na tabela abaixo.

átomo

número atômico

massa atômica

R (×107 m)

H

1

1

1,0967758

He+

2

4

1,0972227

Li2+

3

7

1,0972880

Tabela 1. Constante de Rydberg para diferentes átomos hidrognóides

A diferença de energias DE entre dois estados estacionários pode ser calculada por:

(4)

Segundo Bohr, o átomo pode absorver ou emitir quanta de energia sob a forma de radiação eletromagnética cujos números de onda 1/l são dados por:

(5)

onde n e n' são os níveis de energia permitidos pela teoria quântica, sendo n' > n.

Verificou-se posteriormente que a teoria de Bohr fornecia, com boa aproximação, explicação para os dados experimentais, não apenas para o átomo de hidrogênio, mas também para os átomos hidrogenóides. Verifica-se que algumas transições energéticas em diferentes átomos são quase coincidentes. Como exemplo, considere-se a linha vermelha do hidrogênio (transição de n' = 3 para n = 2 ) e a linha vermelha observada no espectro do He+ (transição de n' = 6 para n = 4 ). A pequena diferença energética neste caso é decorrente da diferença entre as massas nucleares que, operacionalmente, reflete-se em diferenças das constantes de Rydberg.

A descoberta do deutério constitui outro triunfo para a teoria de Bohr do átomo de hidrogênio. Considerando-se que o núcleo de deutério é formado por um próton e um nêutron, era possível prever, por exemplo, que a linha Hb do deutério estaria muito próxima da correspondente linha do hidrogênio. A diferença esperada de 1,3 Å entre as duas linhas foi efetivamente encontrada.

Embora a teoria de Bohr seja aplicável ao hidrogênio e átomos hidrogenóides, ela falha na explicação de observações experimentais para átomos não hidrogenóides. Por exemplo, o átomo de hélio (2 elétrons) exibe resultados que são razoavelmente coincidentes com os previstas pela relação (modelo de Hartree):

(6)

onde supomos que um elétron permaneça no estado fundamental (n = 1) efetuando uma "blindagem" completa sobre uma carga nuclear, enquanto o outro elétron é responsável pela excitação dos diferentes níveis (n > 2).

Somente com a Teoria Quântica foi possível unificar as explicações para os diferentes comportamentos experimentais de todos os elementos conhecidos. Por outro lado, o desenvolvimento da teoria não invalidou os postulados iniciais de Bohr, mas complementou-os no sentido de que abrangessem a totalidade dos átomos.

O desenvolvimento da Mecânica Quântica permitiu explicações para a estrutura fina (separação, ou splitting, Coulombiano), estrutura hiper-fina (separação devido aos spins), intensidade relativa das raias (probabilidades de transição ) etc.. Hoje a teoria atômica da matéria está fundamentalmente estruturada no sentido de que a maioria dos fenômenos observados podem ser explicados de modo coerente pela Mecânica Quântica.

As medidas realizadas no laboratório, com um espectrômetro de rede, são relativamente simples e precisas. Uma rede de difração por transmissão é uma lâmina de vidro que possui um número relativamente grande de fendas paralelas, com uma separação d entre as fendas. Um feixe de raios luminosos que incide perpendicularmente à rede sofre mudança de direção ao passar pelas fendas. De acordo com o princípio de Huygens, estas fendas atuam como fontes luminosas secundárias. As frentes de onda assim geradas interferem destrutivamente, exceto ao longo da linha perpendicular ao plano da rede e em poucas direções para as quais é satisfeita a condição:

ml = d senq

(7)

onde d é o espaçamento da rede, isto é, a distância entre duas fendas consecutivas, e m designa a ordem do espectro.

Para uma dada ordem do espectro, geralmente m = 1, os comprimentos de onda l1, l2, l3, ..., que compõem o feixe luminoso não monocromático, fazem ângulos q1, q2, q3, ..., com a direção normal à rede.

A partir do número de fendas por unidade de comprimento, que normalmente é dado pelo fabricante da rede, um cálculo simples permite obter o valor do espaçamento da rede. Então com a medida do ângulo q no espectrômetro de rede, o correspondente comprimento de onda l pode ser calculado com a equação (7).


Diagrama Esquemático do Equipamento


Procedimento Experimental

1. Espectro do hidrogênio

  1. Coloque o tubo de Plücker com hidrogênio firmemente apoiado no suporte como indicado no esquema. A rede de difração deve estar perpendicular à linha de visada do observador.
  2. Ligue a fonte de alimentação e aplique 6 V sobre a bobina de Rumkorff que, por sua vez, aplicará uma tensão de alguns milhares de volts sobre o tubo de Plücker.
  3. Focalize a fenda do colimador sobre o tubo de Plücker, com uma largura aparente de aproximadamente 1 mm até obter uma imagem brilhante.
  4. Meça os ângulos q à esquerda e à direita do telescópio para cada uma das três primeiras linhas do espectro (vermelha, azul e violeta). Anote os ângulos expressos em graus e minutos e depois converta-os para notação decimal.
  5. Anote também o chamado zero do espectrômetro, que é o valor lido para aposição do telescópio alinhado com o feixe direto (q = 0).
  6. Desligue a fonte. Desloque o tubo de Plücker para o lado, tomando o cuidado de não tocar os contatos elétricos da bobina de Rumkorff.

2. Espectro do hélio

  1. A lâmpada de hélio está conectada a uma outra fonte de alimentação especial. Aproxime esta lâmpada em frente à fenda do colimador do espectrômetro. Ligue a fonte de alimentação e aguarde alguns minutos para a lâmpada atingir seu brilho máximo e faça a focalização final, de maneira a ver uma linha brilhante através do telescópio.
  2. Anote as medidas à esquerda e à direita de todas as linhas do espectro do hélio. Para sua orientação, denomine cada uma das linhas espectrais com uma cor.


Questões

  1. Quais são os postulados da teoria de Bohr para o átomo de hidrogênio?
  2. O que é a constante de Rydberg? Calcule a constante de Rydberg (teórica) para o átomo de hélio uma vez ionizado (He+).
  3. Qual a relação entre o comprimento de onda de uma transição particular do átomo de hélio uma vez ionizado (He+) e o comprimento de onda para a mesma transição do hidrogênio?
  4. A partir dos seus dados experimentais, calcule os comprimentos de onda dos espectros do hidrogênio e do hélio com a equação (7).
  5. Usando os dados do hidrogênio, faça o gráfico do número de onda 1/l em função de 1/n'2, calcule os coeficientes linear e angular a partir do gráfico e mostre, algebricamente, que o coeficiente angular da questão anterior é igual a RH e calcule o erro percentual em relação ao valor tabelado.
  6. Identifique quais os estados que geram as transições observadas na sua experiência.
  7. Consulte no Handbook of Physics and Chemistry os valores dos l tabelados correspondentes aos l medidos. Calcule para cada caso o erro percentual entre o valor medido e o valor tabelado.
  8. Usando os l medidos, calcule as energias correspondentes (em eV) com a eq. (4). Apresente seus cálculos para pelo menos um caso.
  9. Para o átomo de hélio, calcule as energias dos níveis correspondentes a n = 1, 2, 3, 4, 5 e 6. (em eV, previstas pelo modelo de Hartree, eq. ( 6 )).
  10. Para o átomo de hélio, calcule as energias (e os respectivos comprimentos de onda) envolvidas nas transições n = 3, 4, 5 e 6 para n = 2.
  11. Compare os comprimentos de onda calculados pela eq. (6) com os valores medidos. O modelo de Hartree funcionou?
  12. Refaça os cálculos para uma carga efetiva de Zefeftiva = 1.69 para o átomo de hélio.
  13. Compare os comprimentos de onda calculados com o modelo com Zefetiva com os seus valores experimentais. Qual dos dois modelos se aproxima mais da realidade?

Nota: Use a sua imaginação para gerar tabelas para apresentação do conjunto de dados, resultados de cálculos e comparações.


Referências

  1. SOFTLEY, T. P., Atomic Spectra, Oxforf University Press, 1994.
  2. EISBERG, R. e RESNICK, R., Quantum Physics, John Wiley, 1974.
  3. EISBERG, R., Fundamentals of Modern Physics, 1961.
  4. KONDRATYEV, G., The Structure of Atoms and Molecules, Mir, 1967.
  5. WHITE, H. E., Introduction to Atomic Spectra, Mc Graw-Hill, 1984.
  6. ALONSON, M. e FINN, E., Fundamental University Physics, Vol. 3, Addison-Wesley, 1968.
  7. LANG, K. R., Astrophysical Formulae, Spring-Verlag, 1980.
  8. WOODWORTH, J. R. e MOOS, H.W., Phys. Rev. 12 (6), 1975, pp. 2455-2463.
  9. (Vários), Handbook of Chemitry and Physics, CRC.